17/04/2012

1964: golpe na poesia


No sábado 31 de março convidamos para o Café em Pasárgada Marco Polo poetas e escritores como Welington de Melo, Marco Polo, Abelardo da hora e o jornalista Marcelo Mario de Melo para uma conversa sobre os tempos árduos, vividos por eles, do começo da ditadura em 1964.
Primeiramente, houve um café da manhã promovido pelo Espaço Pasárgada, seguido de uma reunião convocada sob o tema 1964: golpe contra a poesia, na qual muitos lembraram os maus momentos que passaram nas mãos dos militares e civis.
São experiências que incluíam uma forte censura da imprensa, a perda de um irmão ou até mesmo a quem permaneceu aprisionado durante oito anos, como é o caso do curador Mario melo. Estas pessoas compartilharam histórias que, de certa forma, chamaram a atenção do público presente.
A crueldade daquele regime feriu a criatividade de uma juventude que não só sonhava poemas e outros sonhos literários, como ansiava por um rumo mais justo para o País.

 (Abelardo da hora)
 (Marco Polo)
 (Chico de Assis)














 Leia mais: Artigo de Marcelo Mario de Melo, jornalista. Ele comenta sobre os tempos dificílimos da ditadura de 1964.


 
 1964: GOLPE TAMBÉM NA POESIA
 
Marcelo Mário de Melo

    Além de antidemocrático, antipopular e antinacional, o golpe de 1964 foi também antipoético. No dia primeiro  de abril  vi tombar  na passeata, atingido por tiros de mosquetão,  o companheiro Jonas Barros, cantando o hino nacional e escudado na bandeira brasileira. Jovem militante comunista do Colégio Estadual de Pernambuco, Jonas escrevia poemas de muita sensibilidade e leveza.Também foram fuzilados Ivan Aguiar,  comunista de Palmares e aprovado no vestibular para Engenharia, um homem e uma mulher não identificados. A bandeira nacional restou no chão enxovalhada,  escapando das mãos do estudante de jornalismo Ivanildo Sampaio, na correria com os manifestantes para escapar das balas.
     Os poetas  Ângelo Monteiro e Albérgio Maia de Farias, que tinha 16 anos,  foram presos no Dops. Um dia, Albérgio foi comigo à Galeria de Arte, localizada numa estrutura de cimento construída sobre o Rio Capibaribe, em frente aos Correios. Emocionado,  deixou pregado na paredes um poema de homenagem a Jonas – habituê daquele espaço -  que começava assim: “Na galeria de arte/há um banco de saudade/e há gestos de futuro/quebrando a serenidade.”
     Para comemorar a libertação de Newton Farias, militante bancário, irmão de Albérgio, foi  marcada uma farra secreta nos fundos da venda do Velho Pires,  no bairro da Soledade. Entre cervejas, canções e poemas, Rui Alencar sentenciou: “As noites de sábado dos poetas/alimentam a resistência dos patriotas.
     Estudantes de esquerda faziam o jornal O Secundarista, com boa tiragem e impresso em cores, idealizado e articulado por José Fortuna de Melo, meu irmão, o meu nome constando como secretário, editado por Rômulo Lins,  onde publicavam poemas Albérgio Maia de Farias, Ângelo Monteiro, Marcus Accioly, Anamárcia Vainsencher, Luiz Carlos Duarte, Rômulo Lins, Diógenes Caldas e outros. O jornal não pôde mais ser editado e os seus responsáveis e colaboradores que não foram presos tiveram de se esconder da repressão ou calar a voz.
    Ângelo Monteiro incorporou-se às atividades políticas da esquerda e desenvolveu uma intensa militância estudantil, marcada pela declamação de poemas deste teor:
“E os verdadeiros cristãos /de fé robusta e viril /com o cano do seu fuzil /farão o sinal da cruz” .
Também fazia longos discursos previamente decorados: “Como católico, ouço a voz de Sua Santidade, o papa. Como revolucionário, ouço a voz de sua Santidade, o povo.” Alberto Cunha Melo e Jaci Bezerra acompanhavam a esquerda nas disputas estudantis. Depois do golpe, Jaci editou e distribuiu no Colégio Estadual de Pernambuco um jornal mimeografado intitulado Letras.
     Um subproduto poético publicado no Suplemento Literário do Diario de Pernambuco, em 1965, foi objeto de gozação de Stanislaw Ponte Preta na sua coluna na Última Hora do Rio. Era um longo texto do tenente-coronel Dácio Vassimon, chefe do estado-maior do IV Exército, louvando a Cruzada Democrática Feminina com coisas assim: “Pelas ruas do Recife desfilando/ a corja comunista desacata/ sem temer uma bala ou um sopapo/ a lembrar o que foi Tejucupapo”. Nas citações que fez, Stanislaw não se referiu a versos: falou em pedaços.
     Na clandestinidade, de vez em quando eu me lembrava da tirada de Rui Alencar sobre as noites de sábado dos poetas. De março de 1971 a abril de 1979 foram oito anos, 43 dias e 19 horas de prisão e poesia, entre a Casa de Detenção do Recife e a Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá. Perdi nos aparelhos clandestinos e nas fugas um volume datilografado com todos os meus textos. A partir daí, passei a decorá-los.
      Também escreviam poemas na prisão Chico de Assis (PE) Juliano Siqueira e Cláudio Gurgel (RN), Chico Passeata (CE), Severino Quirino (o Poeta da Fome, de Caruaru) e Antônio Ricardo Braz, cirandeiro de Timbaúba. Recebi livros de Ângelo Monteiro e Luiz Carlos Duarte, que ainda conservo.
Minha obra completa de Castro Alves foi apreendida pelo major diretor da penitenciária, junto ao Aprendiz de Crítica, de Joel Pontes, e centenas de livros foram subtraídos dos presos políticos e revendidos em sebos. Contrabandeamos por partes o Poema Sujo, de Ferreira Gullar, cuja leitura me fez subir um degrau na tabela do exercício físico.
     Virando a página, Os Quatro Pés da Mesa Posta, publicado pelas Edições Pirata em 1980, foi uma amostra de 38 dos meus poemas carcerários.



  
                                                    Marcelo Mário de Melo é jornalista

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